Genealogia e minha avó era uma bruxa?
Como a minha história se encontrou com a de Josefa Cebola (1879)
Oi, esse é meu primeiro texto. O objetivo é deixar o fluxo de pensamentos ir me guiando.
Me chamo Eduardo da Silva Helmer, amo explorar novas experiências, culturas e hobbies incluindo esse novo aquie. O que, sem querer quebrar expectativas, e acrescentar mais virgulas, que claramente não sei muito bem utilizar, seja a resposta simples do que me fez encontrar Josefa Cebola. Pelo menos sei que o que, se escreve separado.
🎆 Contextualizando ʕ•́ᴥ•̀ʔ
“Este trabalho trata da criação de um teaser com duração de um minuto para o filme sobre a história de Josefa Cebola (…)”
O ano era 2021, e foi assim que comecei o meu Trabalho de Conclusão de Curso. Em tradução rápida: eu tinha um tema mas não tinha um produto. Então, o que caralhos iria fazer com a história de uma mulher que colocou uma cebola em um cadáver? Arte.
Durante a faculdade meu interesse sempre foi no audiovisual, o que acabou me empurrando para um dilema durante o meu projeto de conclusão de curso, eu tinha uma história para contar, 6 meses para produzir e 0 reais para investir. Seria possível fazer um longa? Não. Seria possível fazer um curta? Também não. Então por que talvez com um pouco de malabarismo retórico eu não invento, sei la um teaser de um minutinho sobre um filme que não existe (ainda)? E pior que deu certo.
🎆 A pesquisa ✍(◔◡◔)
“Inicialmente as informações coletadas para a construção dessa narrativa foram retiradas de registros familiares, como registros de casamento, óbito e nascimento.”
Agora você, possivelmente uma pessoa interessada ou por genealogia ou por descobrir algum antepassado interessante (o que também é genealogia), deve estar se perguntando: Como faço pra achar uma bruxa na minha árvore😢? Sinto-lhe informar, mas essa resposta eu não tenho, afinal ela que me achou. Mas o que posso te ensinar é a achar ✧˖° pessoas ✧˖°. Você pode ter a sorte de encontrar alguém interessante, ou o azar de encontrar um bisavô nazista. Vá por sua conta e risco.
Em 2020, no ostracismo da pandemia, eu, uma pessoa fissurada em fotos antigas, comecei, aos poucos, a restaurar algumas fotos de família. À medida que ia me fascinando com as fotos, a frustração crescia paralelamente já que minha família não tinha registros, fotos e histórias suficientes que satisfizessem meu tédio diante de uma experiência única como foi o confinamento. Ligação pós ligação, para parentes cada vez mais distantes, conseguimos coletar alguns documentos que nos revelavam um casamento ali, uma morte acolá, mas foi só isso. Nos encontramos estancados na segunda e, olhe lá, na terceira geração. E foi aí que tive que assumir a carapuça do menino dos computers e fazer a pesquisa realmente começar.
Uma das primeiras coisas a se fazer para começar a se organizar, é criar uma árvore genealógica. Você pode fazer isso à mão, o que eu admiro da sua parte, já que, se acontecer um apagão global, você ainda teria sua versão analógica – não que isso importe, já que o mundo colapsaria. Ouuu você poderia pesquisar no Google "árvore genealógica online". Minha recomendação favorita é a de utilizar o Miro, porém eu o indico apenas como uma segunda opção já que ele é apenas uma ferramenta e não uma plataforma.
Ao pesquisar 'árvore genealógica online', você será direcionado aos três principais sites para esse trabalho: MyHeritage, Family Search e Canva, porém ignore o terceiro, sério.
O MyHeritage, “uma modesta startup de garagem que cresceu e se tornou uma companhia global”, e o FamilySearch, que é mantido pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, são como duas redes sociais que mantêm um acervo infinito de documentos, fotos e registros diversos, alimentados ou não por usuários. Aqueles que se registram automaticamente permitem que o site cruze informações, fazendo com que você de match com a avó de outro alguém.
Sim, estamos confiando a história da nossa genealogia — em parte — a uma igreja, o que me leva a questionar o apagamento de pessoas LGBT+ da história de nossas famílias (anacronismo?). Sim, você obviamente não é o primeiro gay nos últimos 50, 80, 100 anos dos seus antepassados. E sim, a melhor amiga da sua tia avó, que morou com ela a vida toda, não era apenas uma grande amiga.
Apesar de suas problemáticas, os sites cumprem suas propostas principais. Com eles você conseguirá construir uma árvore de respeito, uma Samauma, se você tiver tido a sorte de alguém ter feito todo o trabalho antes pra você. O que sinceramente, acontece na maioria das vezes (inventei da minha cabeça). Mas caso sua árvore não chegue nem do tamanho de uma Jabuticabeirinha — tadinha das jabuticabas amo jabuticaba — ou PIOR de um bonsai, o chihuahua japones das árvores, vou lhe apresentar alguns agrotóxicos ferramentas que podem dar um help.
Você sabe o que é uma ° ♡ ✧Hemeroteca° ♡ ✧? Hemerotecas são acervos de preservação e consulta pública de jornais, revistas e periódicos, e essa é uma boa alternativa caso você já tenha esgotado suas fontes de informações em sites mais tradicionais. Nessa hemeroteca é possível fazer uma pesquisa por data e região, então digamos que por exemplo, sua tatataravó Bucetildes morava na Paraíba entre 1950-1960, nesse caso é só preencher lá direitinho e tharam!
Nada encontrado, mas fique tranquilo há solução! Uma delas é procurar pelo arquivo público do seu estado, talvez você não saiba mas eles tem o registro (deveriam) de todos os imigrantes que entraram por ai. Aqui do Espírito Santo amém por exemplo é o APEES.
Se não for suficiente, também tem essa lista outras fontes que você pode pesquisar.
🎆 A parte da bruxaria 🕷 ☽˚。⋆.🧅
No dia 17 de Agosto do corrente anno, tendo fallecido nesta cidade Manoel dos Santos, vulgarmente conhecido por: Manoel das Veras, Josepha Correia, ao ter sciencia do occorrido, immediatamente dirigio-se a casa do falecido, alli, pedindo licença á amasia deste, de nome Maria Alexandrina dos Santos, collocou uma cebola partida em cruz, na axilla do braço direito do cadaver, que, segundo os seus
sortilegios, tinha o merito de descobrir a pessoa que enfeitiçara, em vida, Manoel dos Santos, inchando essa pessoa, a proporção que se fosse inchando a cebola sob o braço do morto.
A construção da Ferrovia Madeira Mamoré, foi um marco significante na história do norte do nosso país, causando uma grande onda migratória de nordestinos para a região. Essa migração em massa deu forma a diversas cidades que se sustentavam com o trabalho envolto a Ferrovia e também a extração do latex. Época conhecida como Ciclo da Borracha que teve seu auge entre 1879 e 1912.
Para se situar nessa história você pode se imaginar — sob um filtro verde amarelado — caminhando por um bairro pobre em meio a floresta amazônica, sem calçamento e com várias barracos provisórios de madeira. As ruas são lotadas de trabalhadores, homens nordestinos, ingleses, libaneses, ex escravos, um mousse cultural e linguístico. Também é possível visualizar algumas mulheres, em sua maioria, cozinheiras, enfermeiras, parteiras e prostitutas. E é em meio a esse ambiente que encontramos os personagens dessa história.
Ao perderem seus maridos, voltando do porto desiludidas e vencidas, acabavam por aderir à bacanal desenfreada a que a desgraça as lançara irremediavelmente. - MENEZES, Nilza. Uma Feiticeira no Século XX. Porto Velho, 2005.
Vale ressaltar que a maioria dessas pessoas vinham com uma promessa de riqueza e fartura, porém ao chegarem encontravam-se presos em uma situação totalmente contrária. Muitos morriam de doenças tropicais, ou eram assassinados em confrontos com indígenas ou pelos seus proprios chefes para que não retornassem a suas origens e contassem a realidade do trabalho.
🌟extras
Era comum os chefes incentivarem os trabalhadores a literalmente caçar os povos originários.
Foi descoberto pelos seringueiros que seus chefes adulteravam as balanças para pagar menos, sabendo disso inventaram um mecanismo onde preenchiam as bolas de latex com qualquer tipo de lixo para que pesassem mais, como por exemplo latas, terra e discos da Claudia Leite.
Tudo isso você pode conhecer mais afundo no Museu do Seringal em Manaus, a visita vale super a pena e é bem divertido.
Você também pode aprender mais consumindo filmes, e docs como: "A Selva" (2002), "Amazônia, de Galvez a Chico Mendes" (2007), "Bye Bye Brasil" (1979), "Ferrovia do Diabo" (History Channel, 2012), Meu futuro filme (?)
O ano era 1928 quando Manoel de Veras, o defunto, foi encontrado morto. O homem aparentemente teve sua causa da morte dada como natural, o que sinceramente é muito plausível considerando o contexto da época e local. Não para Josepha Corrêa, ainda não Cebola, a minha tataravó.
Josepha, uma mulher paraíbana de 40 anos viúva e analfabeta, tinha fama de possuir poderes sobrenaturais, tendo relatos até de ter levado à morte uma mulher apenas com o toque das mãos. Uma vibe meio vampira dos x-men na novela Renascer — Ai ai Aiá Aiá Cariá Ilê Iê Ilá Aiá veio de madagascar ilê ilê ilá essa lua soberana — Mas Josepha não se considerava uma ameaça, muito pelo contrário, se reconhecia como benzedeira e rezadeira, ofícios que segundo ela, foram aprendidos com mulheres de Manaus.
Sua figura é deslocada, mas suas práticas naturais, feitas pela sua própria natureza, cujo sentido é dado pela necessidade. (Michelet, 1992).
Josepha era grande amiga de Alexandrina (nome de diva), essa que era amante do defunto. E se não fosse por ela, talvez nada disso teria acontecido. Jojo Onion a pedido de sua grande amiga, decidiu intervir na história. Como uma boa conhecedora dos segredos da natureza, cortou uma cebola e temperou o falecido. Em suas próprias palavras ela disse - De facto coloquei a cebolla não para efeito de feitiçaria, mas para descobrir quem fizera mal a Manoel, porque a cebolla tem essa virtude de tirar maus hábitos, descobrir factos ruins. A medida que a cebola inchasse e putrificasse, o mesmo aconteria com o responsável pela morte de Manoel, revelando o que acreditavam ser o verdadeiro motivo da morte. Feitiçaria.
Não se sabe se era conhecimento de ambas, mas a história aponta que o cliente do capeta, ex-vivo Manoel, era um verdadeiro cafajeste. Acredita-se que tenha sido interesse romântico de uma peça fundamental nessa história, Adriana.
Ao ficar ciente da iguaria que Josepha estava preparando para Alexandrina, ou talvez ao perceber o primeiro sinal de putrefação em seu corpo, Adriana logo se movimentou para que o ritual fosse interrompido. Com ajuda de sua best Jovita e seu atual affair Antônio O Coveiro, os três juntos se uniram para desenterrar o morto e sumir com a cebolla. Uma cena com a energia similar ao filme Saneamento Básico.
Jovita e Adriana eram frequentadoras do Terreiro de Santa Bárbara, o primeiro da região, e praticantes do Candomblé. Ambas eram ligadas a Suprema da região. Esperança Rita, a Marie Laveau de Porto Velho, uma mulher influente que tinha poder sobre políticos e militares. Mas como se sabe, quando uma nova Suprema nasce, a antiga começa a enfraquecer (to exagerando tá gente, só pra criar uma narrativa mais envolvente) e com isso alguma atitude tinha de ser feita.

As três mulheres, estavam intrisecamente ligadas ao suposto crime, Adriana, Jovita e Esperança. Muito possívelmente o suposto feitiço para prejudicar Manoel saiu dessa união, a mesma união que se juntou para quebrar o feitiço com a cebolla tida como desaparecida. Não satisfeitas com a quebra do sortilégio, resolveram levar o caso a justiça. Só acho engraçado que comumente praticantes de religiões que fogem ao cristianismo são lidas como bruxas e feiticeiras, reforçando a teoria de uma rivalidade religiosa entre praticantes de sincretismos diferentes. Um julgamento de feiticeira para feiticeira.
No decorrer do processo, esse que deu embasamento à historia, junto com o artigo de UMA FEITICEIRA NO SÉCULO XX por Nilza Menezes, é perceptivel uma inclinação do Delegado e do Promotor por algum fato que não se mostrou nítido no processo, talvez para manter uma ordem moral do vilarejo ou possivelmente para agradar alguém que teria o poder de fazer trabalhos espirituais que lhe trariam fortuna e sucesso. O desfecho infelizmente tende a ser mais simples do que esperavamos. Josepha negou apenas as acusações de ser uma bruxa, pois suas práticas eram reconhecidas como algo natural à sua natureza, sempre com a intenção de fazer o bem. Dito isso, a confissão estava dada, e o processo se concluiu como culpada.
A sentença em si não teve impactos verdadeiramente significativos na vida de Josepha, uma quantia em dinheiro foi solicitada e logo pago por ela, porém não se pode dizer o mesmo do julgamento. Com a fama instaurada na comunidade, Josepha agora Cebola teve sua imagem totalmente arruinada. Histórias eram inventadas a todo o momento, sendo acusada por exemplo de usar ossadas de crianças para feitiçaria (a coitada só era parteira e enterrava os abortos no quintal) e com isso se viu obrigada a fugir de Porto Velho.
Seu crime materialmente foi o de ter colocado uma cebola cortada em cruz debaixo da axila do cadáver a fim de descobrir quem o teria levado à morte através de feitiçaria. Seu crime possível seria o de assassinar o feiticeiro que teria enfeitiçado o defunto. MENEZES, Nilza
🎆 Desfecho (╥︣,╥)🧅 ☽˚。⋆.
Essa aqui é Luiza, a filha de Josefa e mãe do meu avô, ela era baixinha e tinha um grande cabelo liso. Morreu nos últimos anos e infelizmente não tive a oportunidade de conhece-la. Luiza ficou cega e manteve-se a cuidado de parentes ditos evangélicos. Luiza herdava um baú com todos os ensinamentos da natureza e das mulheres de Manaus que sua mãe carinhosamente os reuniu e guardou para as gerações seguintes. A história contada é que o baú foi queimado, mas a esperança que ele esteja escondido jamais virará cinzas.
Finalizo com um agradecimento primeiramente a mim mesmo, por ter aproveitado cada momento desse texto, foi muito divertido de reviver essa história e espero que algum dia ela alcance algum descendente de Josepha como o texto de Nilza me alcançou numa simples pesquisa no google. Depois agradeço você por ter separado um pouquinho do seu tempo por ter lido isso aquie que fiz com tanto carinho, significa muito pra mim! Obrigado ♡
🎁 Links e utilidades do texto pra você! 🍬 (͠≖ ͜ʖ͠≖)👌
Citados no texto: Miro, FamilySearch, MyHeritage, Hemeroteca Digital Brasileira, APEES, Biblioteca Nacional Digital, Arquivo Nacional, Acervo Imigração SP
Bancos de imagens pra suas colagens: Deutsche Fotothek, biodiversitylibrary,
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Artigos Sobre: Uma Feiticeira No Século XX Autor Nilza Menezes, Da Ameaça a Esperança: Memórias e histórias sobre a primeira mãe de santo do munícipio de Porto Velho
Meu TCC na integra: Para ler, Para assistir